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  • Foto do escritorAline Amaro da Silva

Quando os robôs pensam? Questionamentos sobre Inteligência Artificial – 22.11.2018

Semana passada participei de um Simpósio com abordagem interdisciplinar sobre questões relacionadas a Inteligência Artificial – “When Robots Think: Interdisciplinary Views on Intelligent Automation” – na Akademie Franz Hitze Haus, em Münster, Alemanha, de 14 a 16 de novembro de 2018. Organizado por Benedikt Göcke (Ruhr-Universität Bochum), Astrid Rosenthal-von der Pütten (RWTH Aachen University) e Frank Meier-Hamidi (Franz-Hitze-Haus Münster), esse encontro foi minha primeira aproximação da temática e abriu um novo horizonte para minhas pesquisas. O ponto de vista de vários saberes demonstrou a amplitude e relevância do tema, como a inteligência artificial afeta as nossas vidas e cada vez mais afetará nosso futuro. Estavam presentes representantes das áreas de ciências da computação, automação e tecnologia, Direito, Ética, Filosofia, Teologia, Lingüística, Sociologia e Psicologia de diversos países, o que foi enriquecedor. Diferentes culturas possuem visões distintas sobre automação inteligente, como o Japão, por exemplo, que está tão familiarizado com robôs no seu dia-a-dia que concedeu até status de cidadã para uma robô super-inteligente. Claro que existe uma conotação diferente da cidadania lá e no Brasil, mas é assustador, não?





Existem inúmeras funções exercidas por automação inteligente e a morfologia dos robôs vai depender de sua finalidade. Astrid Rosenthal-von de Pütten abordou a questão se há necessidade de a inteligência artificial possuir um corpo. Ela classificou a automação inteligente de acordo com a sua corporeidade basicamente em: co-present robot, telepresent robot e virtual agents. Os co-present robot possuem algum tipo de corpo físico, alguns se locomovem, outros movimentam a “cabeça com sensor visual”, outros falam, e alguns humanoides possuem todas essas habilidades. Este “corpo” robótico pode ter formato de seres humanos, animais ou plantas, possuir formatos totalmente próprios e criativos, ou ainda ter um corpo não estético, apenas funcional, como acontece na automação industrial. Muitos equipamentos que fazem parte do nosso dia-a-dia possuem essa tecnologia autômata e a gente nem se dá conta, como as máquinas de lavar a roupa e os carros automáticos.


As reflexões mais importantes concentraram-se na área da Ética. Por trás da pergunta-tema do simpósio – “Quando os robôs pensam” – isto é, se um dia a inteligência artificial se desenvolverá a tal ponto que eles poderão pensar e decidir por si mesmos, existem várias questões subjacentes. Uma delas é: em que consiste a inteligência? Se pensarmos que a inteligência humana se reduz à capacidade de raciocínio lógico, matemático, então, os robôs podem chegar um dia a este nível de autonomia. Porém, sabemos que nossa capacidade de reflexão e decisão está condicionada a nosso estado emocional e físico. O sentir faz parte de nosso agir e ser humanos e isso dificilmente poderá ser criado de modo artificial.


Ouvi de alguns técnicos nos intervalos do evento dizerem que o ser humano também é uma máquina, que se a evolução da natureza foi capaz de gerar vida humana inteligente, nós um dia também seremos capazes de gerar vida às máquinas. Essa afirmação corre o sério risco de reduzir os seres humanos a objetos e assim, poder manipulá-los, modificá-los, fazer experimentos inescrupulosamente. Sendo assim, não haveria problemas éticos na manipulação genética, criar super-humanos ou clones, por exemplo. Mas isso é moralmente inaceitável, é preciso salvaguardar o respeito à dignidade da pessoa humana. Sob outro ângulo de visão, podemos levantar a hipótese de que não apenas os seres humanos precisam ser respeitados, mas também os seres vivos em geral e ainda os seres inanimados, as “coisas” que criamos, os elementos da natureza que manipulamos para não prejudicar nossa “casa comum”, lembrando da Laudato Si de Francisco. Joanna Bryson da Universidade de Bath, Inglaterra, relembra o princípio fundamental do design: a criação ou avanço tecnológico sempre deve ter o objetivo de melhorar a vida humana. Portanto, a inteligência artificial não pode ser vista como um fim em si mesma, precisa estar a serviço da humanidade.


Embora a total autonomia dos robôs esteja longe de se concretizar e provavelmente nunca aconteça, segundo os cientistas deste evento, é preciso já pensar como proteger os robôs e os seres humanos do uso abusivo e imoral da inteligência artificial por pessoas mal-intencionadas. Por essa razão, David J. Gunkel colocou possíveis razões para a criação dos direitos dos robôs. Parece loucura, né? Achei interessante a resposta de Gunkel a alguém que o questionou sobre por que pensar em direitos dos robôs, se são apenas máquinas que não sentem, portanto, não sofrem. A questão de fundo e a mais importante não é de fato se os robôs tem direitos, mas chamar atenção para questões humanas e éticas fundamentais, de como o ser humano trata, lida, se relaciona, se confronta com o “outro”, fazendo referência a Levinás.


Um exemplo do uso inconsequente da inteligência artificial é a utilização de drones em guerras ou conflitos armados para assassinar pessoas, como já foi utilizado pelos EUA. O que antes eram apenas jogos ou simulações de guerra, agora através de satélites e drones, um militar pode assassinar pessoas em outro continente como se tivesse jogando um game. Essa experiência prejudica a percepção do que é real e ataca nossa capacidade de sentir empatia. Outro uso controverso da robótica comentado no simpósio são os “robôs sexuais”. Esse tipo de humanoide possui uma aparência, temperatura corporal e consistência o mais semelhante possível aos seres humanos e a sua fisionomia pode ser totalmente personalizada ao gosto do freguês. Isso acarreta diversos problemas morais, por exemplo, o cliente pode encomendar um sex robot em formato de uma criança, ou com o rosto de algum familiar ou pessoa conhecida. Apesar de não sabermos mensurar seus efeitos na psiqué humana, não há dúvida de que a interação com este tipo de robô afeta diretamente nossa capacidade de relação sexual-afetiva com outras pessoas. A idealização do corpo humano perfeito e o comportamento sexual patológico podem ser consequências.


Não é só problemas que a Inteligência Artificial promove, ela produz e ainda vai produzir muitos benefícios para a vida humana. Selma Sabanovic, da Universidade de Indiana, EUA, expôs sua pesquisa sobre os bens sociais que a interação com robôs pode trazer. Ela analisa casos benéficos do uso de pet robots em lugares que necessitam de interação social, como asilos e hospitais, bem como os efeitos dessa interação em grupos: crianças, idosos, famílias. Nestes espaços que requerem um ambiente esterilizado ou que não tem pessoas para cuidar de animais de verdade, o uso de robôs com formato de bichos de estimação está dando bons resultados.


Para minha área de pesquisa, a teologia, ouvir sobre a “teoria da dupla imagem” foi a parte mais interessante. Baseado no trabalho de Noreen L. Herzfeld ("In Our Image: Artificial Intelligence and the Human Spirit", Minneapolis: Fortress Press, 2002), Gábor Ambrus (Centro de Teologia, Filosofia e Teoria da Mídia em Praga) explicou que a teoria da dupla imagem consiste basicamente na ideia de que Deus criou o ser humano a sua imagem e o ser humano, por sua vez, está criando os robôs humanoides conforme a sua imagem e semelhança. Uau! Preciso pensar mais sobre o tema. Isso me lembrou que somos seres autônomos, porém nossa liberdade não é total, estamos condicionados a fatores da natureza com que Deus nos criou e do ecossistema em que ele nos inseriu. Podemos considerar que a possível futura liberdade dos robôs é totalmente condicionada ao modo como os seres humanos os estabeleceram. Para a espiritualidade cristã, o ser humano é um ser dependente do seu Criador. De maneira análoga, os robôs, por mais desenvolvidos que possa chegar a ser, continuarão dependentes dos seres humanos. Deus quis criar um outro ser semelhante a si, embora distinto de si mesmo, para que esta criatura o ame e o sirva. Podemos observar esses mesmos anseios da parte dos seres humanos manifestados na criação e funções exercidas pela inteligência artificial. Assim como Deus precisou e precisa nos educar, nos ensinar a viver, futuramente talvez precisemos ensinar critérios morais aos robôs.


No fim de tudo, a mensagem mais importante deste encontro é pensar que a forma “respeitável” ou “abusiva” de como nos relacionamos com a inteligência artificial revela não só o que essa criação humana é, mas sobretudo quem é o ser humano. O ser humano é co-criador e cuidador da vida, do planeta e de tudo o que existe em nosso ecossistema. Quando abusamos da natureza e dos objetos, corremos o risco de reduzir o valor das coisas e tratar os próprios seres humanos como objetos, máquinas a serem usadas por nosso egoísmo e depois jogar fora o que está defeituoso. Contra a cultura do descartável e do egocentrismo precisa crescer a consciência da ética e teologia do cuidado. Aquilo que cuidamos possui uma duração e qualidade de vida muito maiores, isto é, permanecem mais tempo em relação conosco. O cuidado com as pessoas, os seres e as coisas nos tornarão mais humanos, mais semelhantes a nosso Criador.


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